Anual Sismo
Escrevi, há exactamente um ano, com o pretexto do enorme sismo que houve, nesse dia, no Irão. Hoje escrevo, também. Não com o pretexto desse sismo, nem com o pretexto da coincidência (*) da enorme catástrofe na Tailândia.
Adonai.
Sempre tive uma relação estranha com a religião. Melhor, sempre tive uma relação estranha com a entidade metafísica sobre a qual a religião se desenvolve. Deus. Nunca acreditei. Já fui muito céptico, já abordei a questão de um ponto de vista científico. Mas a pouco e pouco vou deixando esse ponto de vista; continuo a não acreditar. [Como se pode ter uma relação com algo em que não se acredita?]
Desde há muito tempo que tenho mantido um contacto chegado com manifestações de crença. Missas, celebrações de Natal, procissões. Mas nunca me tinha deixado impressionar - ou nunca nenhuma delas havia sido impressionante. Talvez devido ao lugar que ocupava.
Há algo de profundo que flui nessas ocasiões. Uma calma selvagem que cai das pessoas, cai nas pessoas, e que eleva uma energia no ar que todos guia. Isso impressionou-me. E ouvir a Música ser meio desse sentimento, e por ela deixar-me gravar, deixou-me de olhar perdido. Senti-me, no silêncio, diferente. Mas sem acreditar.
Não vejo as coisas de forma científica. Porque há coisas que a ciência não explica, mas que cada um dos seres humanos (re)conhece, sente. Cada pensamento nosso corresponde a uma sequência exacta e precisa de impulsos eléctricos. Mas isso não pode ser mais que uma consequência, que uma tradução. Nós não pensamos porque existem esses impulsos, mas sim o contrário. E que sejam indivisíveis: porquê? De onde vem? Não pensaríamos todos da mesma forma, não seríamos todos iguais, dessa maneira? Porque não somos corpos que fazem as mesmas coisas? A informação genética não pode ser mais do que uma simples tradução da composição física que é o nosso corpo!
E nós? E Nós? E o Eu? É essa a entidade metafísica que todos - cada um - sentem, são as almas (Almas) com que nós contactamos. A Pessoa é a sua Alma, não o seu corpo. E foi essa transcendência que me impressionou, essa divisão mais clara que se mostrou nos outros, numa montra à minha frente feita de pedra e luz, e que em mim já tinha testemunhado. Corpo e Alma.
Antes costumava responder, a «Acreditas em Deus?», «Eu acredito nas pessoas.". E é o que eu penso agora. Porque presenciei essa massa uniforme e heterogénea: um conjunto de Almas abraçadas, ainda que conduzidas pela crença de algo que não existe.
Talvez o Deus (ou os deuses) em que se acredita sejamos nós. Só que ainda não se percebeu isso.
Saudações.
P.S.: (*) os dois conjuntos de milhares de mortes foram exactamente no mesmo dia, e este devaneio veio a propósito de apanhar de forma avulsa: «Acontecem sempre coisas más no Natal.»